24 de novembro, 2024

Depoimentos de diretor da estatal e de empresário apontam indícios de uma série de fraudes licitatórias na atual gestão.

Não bastassem diversas contratações suspeitas sem concorrência já sob investigação, a atual direção da Cemig pode ter sido conivente com uma série de fraudes licitatórias, que vão desde a interpretação equivocada da legislação até a cartelização e o direcionamento dos vencedores.

Este foi o saldo dos dois interrogatórios realizados na tarde desta quinta-feira (21/10/21) pelos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) criada para investigar possíveis irregularidades na gestão e o uso político da empresa.

Sob o comando do deputado Cássio Soares (PSD), que preside a CPI da Cemig, foram ouvidos na condição de testemunhas o diretor-adjunto de Compras e Logística da estatal, Osias Galantine, e o vice-presidente do Sindicato das Industrias de Instalações Elétricas, Gás, Hidráulicas e Sanitárias no Estado de Minas Gerais (Sindimig), Moisés Silveira.

O empresário também comanda a Engelmig, com sede em Manhuaçu (Zona da Mata), uma das empresas especializadas, também conhecidas como empreiteiras, que prestam serviço em todo o Estado na manutenção da rede de distribuição aérea de energia da companhia. A distribuição aérea corresponde atualmente a aproximadamente 97% do total da energia fornecida pela Cemig em Minas Gerais.

 

Seriam dois lados da mesma moeda, não fossem os objetivos bem diferentes dos dois depoentes ao longo de três horas e meia de questionamentos dos parlamentares. Enquanto o primeiro se esforçou sem muito sucesso para tentar explicar várias suspeitas em licitações na mira da CPI da Cemig, o segundo revelou os bastidores de um desses processos com fortes indícios de cartelização.

 

Paracatu

Ao longo da reunião, os deputados abordaram com mais ênfase quatro licitações suspeitas. A Cemig organiza a contratação de empreiteiras por regionais, e um desses casos diz respeito à Regional Paracatu (Noroeste). Lá, segundo questionamento feito pelo vice-presidente da CPI, deputado Professor Cleiton (PSB), teria acontecido uma prática conhecida em licitações públicas como “efeito cinderela”.

 

Coube ao relator da CPI, deputado Sávio Souza Cruz (MDB), explicar do que se tratava. “É igual ao sapatinho de cristal da Cinderela: o edital é feito pra caber só um determinado pezinho”, ironizou. Segundo o apurado até o momento pela comissão parlamentar, teria sido elaborado um edital para favorecer a Potência Medições, empresa goiana que já executava o mesmo serviço na região.

 

Para direcionar o vencedor da licitação, foi estabelecido um prazo bem inferior ao normalmente praticado – de um ano (não prorrogável), em vez de cinco -, o que afasta competidores devido ao alto investimento necessário. De acordo com Professor Cleiton, o caso teria sido denunciado à Ouvidoria-Geral do Estado (OGE), mas foi ignorado.

 

“Na Engelmig não teríamos interesse. São investimentos na casa dos milhões e, só para estarmos aptos a trabalhar, gastaríamos de 60 a 90 dias”, avaliou o vice-presidente do Sindimig. Perguntado pelos deputados, o empresário disse que, por sua experiência, somente a empresa detentora do contrato atual teria condições de vencer a licitação.

 

CPI da Cemig – Fabricante chinesa ganha licitação exclusiva para empresas brasileiras

No entanto, segundo Osias Galantine, diretor da Cemig, esta foi a solução encontrada para garantir a continuidade da prestação do serviço, já que, com o auxílio de uma consultoria, a estatal está reformulando toda a sua área de compras antes de refazer licitações com prazos mais longos. “Foram sete competidores e qualquer um podia ter levado, mas ganhou quem já estava lá”, justificou.

 

Passos – Outro caso sob investigação da CPI teria ocorrido na Regional Oeste da Cemig, em Passos (Sul), onde uma licitação realizada pela companhia energética teria entre os concorrentes três empreiteiras paulistas – Litucera Limpeza e Engenharia (Vinhedo), Tonanni Construções e Serviços (Taboão da Serra) e Provac (Araraquara) – com o mesmo responsável técnico (RT), o que é proibido por lei.

 

Segundo relatou Moisés Silveira aos deputados, coube à equipe da Engelmig, e não à Cemig, investigar os concorrentes e denunciar a suposta cartelização, forçando a estatal a desclassificar a vencedora Litucera. “Prestamos serviços lá desde 2008 e ficamos em segundo lugar. Apesar do tempo curto, conseguimos a impugnação”, contou o empresário.

 

O diretor Osias Galantine reconheceu o problema, mas disse que, na fase de credenciamento, isso não constitui uma ilegalidade, alegação contestada por Professor Cleiton. Ele argumentou que, juridicamente, a mera preparação de atos preparatórios viciados já configura o crime licitatório.

 

“A atual diretoria da Cemig chegou com o simples propósito de torná-la privatizável, como apontam várias provas que obtivemos. Será que o que deu certo em 69 anos de história da empresa estava errado?”, questionou.

 

Suspeita de formação de cartel também na RMBH

 

Sob o comando do presidente Cássio Soares, a CPI apresentou uma série de questionamentos aos depoentes – Foto: Guilherme Dardanhan  

A mesma suspeita de irregularidade na Regional de Passos teria ocorrido na Regional Metalúrgica, que abrange parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), conforme o já apurado pela CPI da Cemig. Na mira está uma licitação de junho deste ano envolvendo novamente a Provac, que saiu vencedora, e a Tonanni, de novo com o mesmo responsável técnico.

“Eu não intervenho em licitações, mas a Tonanni não entrou na fase de leilão. Analisamos o caso com nosso pregoeiro, nossa equipe de apoio e recebemos o aval do nosso jurídico”, apontou o diretor Osias Galantine.

Já na Regional de Ipatinga (Vale do Aço), o problema identificado pela CPI começou após a desistência da empreiteira Souza Reis Energia, que prestava serviços até o final do ano passado e entrou em recuperação judicial.

Usando o instrumento conhecido como remanescente de licitação, a Cemig chamou a segunda colocada no certame, a Selt Engenharia, mas apenas para o serviço considerado mais leve, conforme admitiu Osias Galantine, e consequentemente mais rentável.

Esse tipo de arranjo não seria permitido pela legislação, pois contraria o objeto da licitação, sendo necessário um novo certame. Segundo o diretor da Cemig, mais uma vez, a Diretoria Jurídica teria dado o aval, sob o argumento da continuidade dos serviços.

Fraude – “Não tem ninguém bobo aqui, isso é fraude. Se houve um parecer jurídico para isso, quem fez deveria rasgar o diploma de Direito. A comunicação de desistência foi em dezembro e o contrato iria até abril. Não dava tempo de fazer outra licitação?”, questionou o vice-presidente da CPI.

De acordo com o executivo da Cemig, a direção da Souza Reis chegou a aceitar um aditivo de 12 meses no contrato em janeiro último, mas voltou atrás um mês depois, o que teria atrasado e inviabilizado uma outra solução para o caso.

 

Em outra situação suspeita, Moisés Silveira, da Engelmig, relatou aos deputados que sua empresa chegou a receber correspondência da direção da Cemig propondo que agregasse de forma permanente o contrato de Ipatinga ao da Regional de Governador Valadares, onde já atuava.

 

“Nós até podemos por contrato atender outras regionais em caráter provisório. Ficamos lá cinco ou seis meses para ajudar, mas depois não aceitamos isso”, revelou.

Fornecedores – Ao responder questionamento do deputado Zé Reis (Pode), Osias Galantine defendeu a modernização do sistema de licitação que está em andamento na Cemig e o desenvolvimento de novos fornecedores no Estado, pois, segundo ele, em 40% das licitações da empresa atualmente, apenas um ou dois são habilitados atualmente.

“Com mais eficiência nesse processo, a economia vai direto para as contas da luz das famílias”, pontuou o executivo.

Executivo admitiu ter dado aval à contratação sem licitação da Kroll

Um momento tenso da reunião da CPI da Cemig foi quando o diretor de Compras e Logística, que assumiu o cargo em 11 de janeiro deste ano, admitiu aos deputados que também assinou, logo após ter sido contratado, a proposta de deliberação (PD) oriunda da Diretoria Jurídica que permitiu que a empresa de investigações corporativas Kroll fosse contratada por inexigibilidade de licitação.

 

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) apontou divergências flagrantes entre o objetivo da investigação forense que consta do documento e o contrato assinado depois, o que na prática daria liberdade de ação para a Kroll investigar o que quer que lhe fosse pedido pela atual direção da Cemig, como servidores de carreira da empresa e até deputados, conforme já foi denunciado na CPI.

 

“O senhor assinou sem ler ou foi pressionado?”, indagou a deputada. Já o deputado Zé Guilherme (PP) argumentou que a atuação da Kroll na Cemig limita-se à demanda apresentada em inquéritos do Ministério Púbico que se baseiam em denúncias de corrupção na área de suprimentos da empresa.

 

Headhunters

 

O depoente ainda relatou aos deputados que também foi selecionado para a Cemig por uma empresa de headhunter (seleção de executivos), a Russell Reynolds Associates, que também teria sido contratada sem licitação, processo semelhante ao utilizado para a contratação do atual diretor-presidente da Cemig, Reynaldo Passanesi Filho.

Só que, neste último caso, a CPI já apurou que a empresa envolvida, a Exec, tem fortes ligações com o Partido Novo, o mesmo do governador Romeu Zema. Outro fato curioso, destacado por Sávio Souza Cruz, é o valor pago para a seleção do diretor, R$ 294 mil, bem maior do que os R$ 170 mil pagos à Exec.

 

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